Crédito da imagem: INRiM, NPL, LCN-LNE
Uma nova definição do kelvin, a unidade de temperatura do Sistema Internacional de Unidades (SI), deve ser estabelecida oficialmente na 26ª Conferência Geral de Pesos e Medidas (CGPM), que acontece em Versalhes, França, entre os dias 13 e 16 de novembro deste ano.
A nova definição é baseada em uma série de estudos internacionais realizados nos últimos dez anos. Um desses estudos, é uma colaboração do físico Michael Moldover, do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos Estados Unidos (NIST), com o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Felix Sharipov.
A CGPM representa a comunidade internacional dos laboratórios que estabelecem os padrões de medidas utilizados em todos os instrumentos na pesquisa científica e na indústria. Faz cerca de dez anos que a comissão trabalha para redefinir de maneira mais precisa e confiável todas as unidades base do sistema SI. A CGPM pretende definir o valor das unidades do SI com base em valores fixos das constantes fundamentais das leis da Física, de modo que a calibração de alta precisão de instrumentos seja mais acessível e verificável.
Atualmente, a unidade de temperatura 1K (um kelvin) é definida como 1/273,16 da temperatura do ponto triplo da água — a temperatura em que os estados sólido, líquido e gasoso da água podem coexistir com a menor pressão possível. A nova definição do kelvin será ainda mais universal, independente do comportamento específico da água ou de qualquer outra substância em particular. A partir de novembro, o kelvin será definido a partir de uma das constantes mais fundamentais da Física, a constante de Boltzmann. Grosso modo, a constante de Boltzmann é uma quantidade que expressa como a energia das partículas que constituem uma certa porção de matéria se relaciona com a temperatura dessa porção de matéria.
Em um artigo publicado em janeiro deste ano, o Comitê de Dados para Ciência e Tecnologia (Committee on Data for Science and Technology, CODATA) recomendou que o kelvin seja definido de modo que a constante de Boltzmann tenha no SI o valor exato de 1,380649 x 10 ⁻²³ J/K (joules por kelvin). Esse valor é baseado nas melhores medidas da constante de Boltzmann, obtidas por seis grupos internacionais entre 2011 e 2017. Todos os grupos obtiveram valores quase idênticos para a constante, com incertezas de apenas 0,37 partes por milhão.
Os experimentos mediram a constante de Boltzmann aprimorando instrumentos e métodos desenvolvidos por Michael Moldover, do NIST, e seus colaboradores. Construiram cavidades de vácuo cilíndricas ou quase-esféricas, isoladas do ambiente por uma parede de aço. O vácuo dentro da cavidade era preenchido com uma quantidade muito rarefeita de gás nobre, como o hélio, o argônio ou o neônio. Os pesquisadores mediam então a velocidade com que as ondas sonoras se propagavam pelo gás, a partir da ressonância do som nas paredes da cavidade. A velocidade do som em um gás depende da temperatura desse gás. Já a variação dessa temperatura com o aumento ou a diminuição da energia cinética dos átomos do gás depende do valor da constante de Boltzmann. Assim, medidas da velocidade do som com o gás em diversas temperaturas permitiram aos pesquisadores medirem a constante de Boltzmann.
Para diminuir a incerteza nas medidas de velocidade do som, tanto nos experimentos com cavidades cilíndricas, quanto naqueles com cavidades quase-esféricas, os pesquisadores utilizaram modelos que descrevem como uma onda sonora se propaga na interface entre o gás rarefeito e a superfície metálica da cavidade. Esses modelos precisam levar em conta a diferença entre as temperaturas dos dois meios e da superfície, determinada por uma grandeza chamada de coeficiente de salto de temperatura. Especialista na modelagem de gases rarefeitos, Sharipov calculou os coeficientes de salto para esses experimentos, após sua visita ao laboratório de Moldover, no NIST, entre 2015 e 2016. O trabalho teve financiamento da CAPES.
“Desta forma, a física brasileira deu valiosa contribuição na presente atualização de constantes fundamentais através de resultados teóricos obtidos no Departamento de Física da UFPR em conjunto com pesquisadores do NIST”, diz Sharipov.